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GERAL & ECONOMIA Domingo, 30 de Abril de 2023, 10:13 - A | A

30 de Abril de 2023, 10h:13 - A | A

GERAL & ECONOMIA / Poder Judiciário de Mato Grosso

Audiência pública sobre prevenção à violência contra a mulher atrai mais de 600 participantes

O ponto alto da primeira etapa da audiência pública foi a palestra “Maria da Penha - Uma história de vida”, proferida pela própria ativista

Celly Silva
Assessoria/TJ



Mais de 600 pessoas, entre estudantes, operadores do Direito, servidores públicos, líderes comunitários e população em geral, participaram da audiência pública “Prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher”, realizada de forma híbrida na tarde desta sexta-feira (28), pelo Poder Judiciário de Mato Grosso, por meio da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT). A vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargadora Maria Erotides Kneip, fez a abertura do evento.

A magistrada ressaltou a importância de ações como a audiência pública e outras que venham a debater formas de proteção às mulheres, sejam elas de qualquer classe social. “Só ouvindo as pessoas qualificadas, as pessoas que vivenciam isso, as pessoas que se angustiam, como nós nos angustiamos diuturnamente, sabem nos dizer o que mais precisa ser feito, como nós podemos prevenir essa situação. Por isso a importância desse debate. Porque enquanto uma das mulheres mato-grossenses estiver sendo ameaçada, violentada no seu direito humano, é cada uma de nós que está sofrendo”, afirmou.

A presidente em exercício da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) deputada Janaina Riva, também compôs a mesa de abertura e pontuou a necessidade de recursos para o combate à violência contra a mulher. “Nós precisamos de orçamento para atender a mulher que mais precisa. Esse é o nosso desafio: chegar às mulheres que são privadas de liberdade dentro das suas casas, que não podem sair para trabalhar, que sofrem da dependência financeira, que não podem estudar, que dependem exclusivamente do companheiro para sua subsistência e dos seus filhos porque preferem apanhar do que ver o filho passando fome. É por isso que todos nós aqui hoje precisamos nos aperfeiçoar cada dia mais nessa pauta”, defendeu.

Fotos: Adilson Cunha

violência doméstica

 

O corregedor-geral da Justiça, desembargador Juvenal Pereira da Silva, de forma remota, deu as boas-vindas aos participantes e palestrantes e destacou que o objetivo da audiência pública é “eliminar desequilíbrios sociais, conscientizar e resguardar interesses particulares e sociais, no caso, a igualdade e o direito da mulher”, complementando que, para isso, a audiência iria “colher informações a fim de viabilizar ações e políticas públicas para alcançar a sonhada e desejada harmonia e paz social e familiar”.

A juíza auxiliar da CGJ e coordenadora do evento, Christiane da Costa Marques, ressaltou que além desta, outras audiências públicas com o tema da violência doméstica já foram promovidas, sempre voltadas para públicos diferentes, a fim de atingir ao máximo toda a sociedade. “Hoje nós trouxemos alunos da rede pública, agentes comunitários, pessoas que entram nas casas para que tenham um olhar sensível e saibam identificar a violência nos ambientes que frequentarem”.

A magistrada enfatizou ainda que “não é mais possível vivermos como estamos vivendo atualmente, com as mulheres morrendo porque terminaram seus relacionamentos” e ponderou que as mulheres que têm medida protetiva e são acompanhadas pela Patrulha Maria da Penha não acabam vítimas de feminicídio.

Maria da Penha - Uma história de vida - O ponto alto da primeira etapa da audiência pública foi a palestra “Maria da Penha - Uma história de vida”, proferida pela própria ativista (saiba mais ao final da matéria). Ela iniciou sua fala com o apelo para que os gestores públicos equipem a rede de proteção às mulheres vítimas de violência não somente no âmbito da segurança pública, mas também da saúde. “Eu sempre coloco a importância de existir um centro de referência da mulher dentro das unidades de saúde, por menor que seja o município, porque é o primeiro lugar que a mulher vai para cuidar dos seus ferimentos do corpo e da alma”, relatou Maria da Penha, que ficou paraplégica aos 38 anos, após sofrer a primeira tentativa de feminicídio por parte de seu então companheiro.

Maria da Penha ainda respondeu às perguntas dos participantes, por exemplo, sobre os avanços no combate à violência doméstica e familiar. “A informação de ter o número 180, que agora foi reativado e que presta um atendimento e orienta a vítima é um ponto positivo. Também não temos mais nos deparados com certos tipos de comportamentos machistas na imprensa”, citou. 

A ativista ainda demonstrou sua preocupação não só para com as mulheres, mas também com as crianças que testemunham situações de extrema violência no ambiente familiar. “É importante o compromisso dos gestores públicos para implementação da Lei Maria da Penha. Se isso não ocorrer, as mulheres continuarão sendo assassinadas e seus filhos continuarão ficando na orfandade. É necessário pensarmos nessas crianças que perderam suas mães por conta de pais que assassinaram as mães delas. Essas crianças precisam de um atendimento psicológico principalmente para desconstruir essa mágoa que as acompanharás para o resto da vida”, pontuou. 

Outro ponto enfatizado por Maria da Penha foi a autonomia financeira das mulheres. “Ela precisa encontrar um caminho de sair daquela situação. Tem que haver a cobrança do gestor público para capacitar essa mulher para que ela tenha uma autonomia financeira, o que é posto na Lei Maria da Penha”, afirmou. 

Maria da Penha

A farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, 78 anos, é protagonista do caso mais representativo da violência doméstica no Brasil. Em seu livro Sobrevivi...Posso contar (1994), ela conta sua experiência de sofrimento e de luta por justiça. Ela conheceu seu ex-companheiro em 1974, quando ambos faziam pós-graduação em São Paulo. 

A trajetória passou por todos os ciclos da violência contra a mulher, desde o encantamento, quando o então namorado demonstrava ser uma pessoa carinhosa e educada. Após o casamento, em 1976, e o nascimento das filhas, começou a fase do estranhamento e da tensão, com agressões e comportamentos explosivos do agressor para com Maria da Penha e suas filhas.


Foram vários períodos de lua-de-mel, ou seja, de perdão por parte da vítima, na esperança de uma mudança, até que, em 1983, após 7 anos de um relacionamento abusivo, a violência atingiu seu auge. O então marido de Maria da Penha deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia, levando-a a ficar paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda. 

A impunidade começou quando o agressor declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto, versão que foi posteriormente desmentida pela perícia. Após passar quatro meses internada, Maria da Penha voltou para casa e, novamente, sofreu tentativa de feminicídio por parte do marido, que a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho. 

Além da violência física, moral e psicológica, o agressor também cometeu violência patrimonial, fazendo com que ela lhe desse uma procuração e tirando cópias autenticadas de seus documentos para agir em seu nome. 

Com a ajuda da família e de amigos, Maria da Penha conseguiu fugir de casa e iniciar sua batalha por justiça. No entanto, dessa vez, ela foi vítima do Estado que, de diversas formas, deixou que o agressor saísse impune de seus crimes. Foram anos de persistência em busca de reparação, até que, em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Com isso, o julgamento do agressor de Maria da Penha foi retomado, levando-o à prisão em 2002.  

Após uma série de medidas tomadas pelo Estado brasileiro para atender às determinações da condenação e muita pressão por parte de ativistas feministas, somente em 7 de agosto de 2006 a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada. 

Além de ter escrito um livro contando sua história e criado o Instituo Maria da Penha, hoje a ativista se decida a proferir palestras, conceder entrevistas e participar de campanhas pelo fim da violência contra a mulher no Brasil e no mundo, com o objetivo de conscientizar operadores do Direito, classe política e sociedade em geral sobre a importância da aplicação da lei que leva seu nome. 

A audiência público contou com a participação de várias autoridades do sistema de justiça, de órgãos, autarquias, magistrados(as), servidores(as) e especialistas no assunto. 

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