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OPINIÃO Sexta-feira, 25 de Junho de 2021, 09:23 - A | A

25 de Junho de 2021, 09h:23 - A | A

OPINIÃO / CAIUBI KUHN

Acesso à educação para além do filho do porteiro



Reprodução

Caiubi Kuhn

 

Todo ano, quando são publicados os resultados da seleção dos novos aprovados para as universidades brasileiras, surgem inúmeras matérias de jornais, abordando sobre a aprovação de filhos de trabalhadores como porteiros, secretárias e tantos outros. Todas essas pessoas merecem e devem comemorar o acesso à universidade, muitas vezes, a pessoa que foi aprovada será a primeira da família a cursar uma faculdade.

Porém, às margens destes casos, existem inúmeras outras pessoas com uma situação social mais precária e que muitas vezes ainda enxergam o sonho da universidade como algo quase impossível.

A triste realidade das estatísticas brasileiras, mostram que o porteiro, a secretária e suas famílias muitas vezes estão entre os 50% mais ricos do Brasil, ou até entre os 30% com melhores condições sociais. Mas onde os 50% mais pobres estão e quais as oportunidades que seus filhos possuem?

O Brasil é um país com muitas desigualdades, e dependendo do grupo social que o leitor transita ou da cidade em que vive, é difícil conseguir ver as diferentes realidades dos muitos Brasis. Porém, algumas estatísticas ajudam a demonstrar qual o cenário que vive a população brasileira e quais oportunidades essas pessoas possuem.

Em 2018, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou que os 50% mais pobres da população, ou seja, cerca de 104 milhões de pessoas, viviam com uma renda de até R$ 413,00 per capita.

Ou seja, se fosse uma família de 4 pessoas, somando toda a renda, 50% da população vivia com no máximo R$ 1.652 de renda familiar. Porém, a mesma pesquisa indicou que os 5% mais pobres da população brasileira, cerca de 10,4 milhões de pessoas, viviam com R$ 51 per capita, o que para uma família de 4 pessoas, significaria uma renda mensal de R$ 204 por mês. Já imaginou viver um pai, uma mãe e dois filhos com esse valor?

Infelizmente não temos dados mais recentes, mas indicadores como o índice de desemprego pioraram. Em 2018, no primeiro trimestre do ano, o desemprego atingia 13,1%, já no mesmo período do ano de 2021, o número atingiu o recorde da série histórica, chegando a 14,7%, o que representa 14,8 milhões de pessoas. Esse número se soma aos cerca de 6 milhões de desalentados, que são pessoas que desistiram de procurar emprego. Somados, entre desempregados e desalentados, são mais de 20 milhões de pessoas fora do mundo do trabalho. E entre os empregados, muitos estão em trabalhos informais, que em dezembro de 2020 significava 39,5% das pessoas ocupadas no Brasil.

Entre os problemas existentes no país está a baixa escolaridade, conforme a PNAD Contínua, em 2019, apenas 48,8% da população com 25 anos ou mais possuíam ensino médio completo, ou seja, mais da metade da população, cerca de 69,5 milhões de adultos, não podem nem se quer tentar disputar uma vaga em uma universidade ou em um curso técnico.

A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE indicaram que em 2018 existia um grande abismo social entre as oportunidades dos jovens com idade entre 15 a 17 anos, que vinha das famílias que estavam entre os 20% mais pobres, quando comparados com os jovens que vinham das famílias que fazem parte dos 20% mais ricos do país. O abandono escolar ainda no ensino básico, no primeiro caso correspondia a 11,8% dos adolescentes, ou seja, mais de 1 em cada 10.

Por outro lado, entre os 20% mais ricos, os números representam 1,4%, ou seja, cerca de 1 em cada 71 jovens. As desigualdades no Brasil também são raciais, em 2018, o percentual de jovens brancos que estavam cursando ou já concluíram o ensino superior era de 36,1%, quase o dobro da porcentagem de pretos e pardos, que estavam em 18,3%.

Somente o acesso à educação e a garantia de permanência em universidades e institutos federais pode fazer a transformação que a juventude brasileira merece, e que o país precisa

Embora nas últimas décadas o acesso à universidade tenha se tornado mais democrático, com certeza ela ainda é um espaço muito difícil de ser alcançado para a população mais pobre do país. Neste caso estou falando do filho do trabalhador informal do campo e da cidade, que representam quase 40% das pessoas “empregadas” hoje, ou do filho de um dos mais de 20 milhões de pessoas que estão sem trabalho.

Muitos destes brasileiros sobrevivem com muito pouco e as oportunidades dos seus filhos também são escassas. Sem uma ação forte do Estado, qual será a oportunidade de vida, do filho da pessoa que vive com 51 reais de renda mensal per capita?

O Brasil precisa permitir a todos os jovens a sonhar, a mudar suas vidas e construir destinos diferentes e com mais oportunidades que os que foram vividos pelos seus pais. Somente o acesso à educação e a garantia de permanência em universidades e institutos federais pode fazer a transformação que a juventude brasileira merece, e que o país precisa.

*Caiubi Kuhn é professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT), mestre em Geociências (UFMT)



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