ACADÊMICOS Terça-feira, 14 de Junho de 2022, 14:30 - A | A

14 de Junho de 2022, 14h:30 - A | A

ACADÊMICOS / MAIRA SOARES

O ensino da cultura afro-brasileira na sala de aula na escola brasileira: como vai?

Complemento



Resumo

Compreender em como está sendo trabalhada a Áfricana escola é o objetivo deste artigo, nossa pesquisa foi realizada com professores das disciplinas citadas na lei como responsáveis pelo Ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, as quais são: Educação Artística (Artes), Literatura (Língua Portuguesa) e finalmente História Brasileira (História); a lei responsabiliza também os professores das outras disciplinas dizendo que “os conteúdos do tema serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar”, mas o que temos em mãos é um déficit de conhecimento do assunto por parte dos professores e a cumplicidade do governo de uma forma geral, incluindo a não preparação da classe docente para ministrar aulas sobre tal, ou seja, a não realização de cursos de capacitação sobre como trabalhar a cultura Afro-Brasileira nas escolas com custos governamentais, a não realização de melhor divulgação da lei enfocando a importância de trabalhar o conteúdo para os professores, comunidade e alunos, a permanência da escassez de materiais didáticos. Lembrando que são mais de uma década de lei e a escola ainda se encontra despreparada para colocar em prática o que lhe é arrogada, certo é que a África e tudo aquilo que a envolve em nosso país é atribuído como antes, ainda em sua maioria, nas aulas da disciplina de História.

Palavras Chave: Construção, Afro-brasileira, Cultura, Conhecimento.

Abstract   Understand how being crafted Africa, in school is the purpose of this article, our research was conducted with teachers of the subjects mentioned in the law as responsible for the education of History and Afro-Brazilian culture in schools, which are: Arts Education (Arts) , Literature (Portuguese Language) and finally the Brazilian History (History); the law also blames the teachers of other subjects saying "theme content will be taught in the context of the whole school curriculum", but what we have here is a deficit the subject of knowledge by teachers and the complicity of the government in general, including non-preparation of the teaching class to teach classes on such, namely the failure to carry out training courses on how to work the Afro-Brazilian culture in schools with government costs, not performing better dissemination of law focusing on the importance of work content for teachers, community and students, the continuing shortage of teaching materials. Recalling that are more than a decade of law and the school is still unprepared to put into practice what is your responsability, it is certain that Africa and everything that surrounds it in our country is assigned as before, still mostly in the History classes.  

Keywords: Construction, Afro-Brazilian, Culture, Knowledge.

 

Introdução:

Este artigo tem por objetivo abordar uma reflexão sobre o que se estáensinando nas escolas em relação ao estudo da África e sua cultura, uma vez que em Janeiro de 2003 foi sancionada a lei 10.639 que determina: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.” A lei ainda diz que os conteúdos do tema serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira.

O presente busca compreender a preparação desses profissionais da educação para ministrar aulas sobre o tema, a infra-estrutura existente nas escolas a respeito de material didático adequado e se realmente o tema tem sido abordado nas aulas, visto que já são mais de uma década em que a lei em questão foi sancionada. É importante salientar que a mesma prevê o estudo sobre o objeto em questão em todas as disciplinas e coloca, em evidênciaestastrês: Educação Artística (Artes), Literatura (Língua Portuguesa) e História Brasileira (História); entende-se que os professores de todas as disciplinas devem ser habilitados para abordar questões sobre o assunto e que as citadas em especial teriam como objetivo o se aprofundarnas discussões e no conhecimento do corpo discente no objeto de estudo. Para realização deste, utilizamos entrevistas com professores e coordenadores da Unidade Escolar, bem como em consultas de planejamentos atualizados. A análise realizada com o corpo docente mostra que boa parte dos professores das disciplinas “especiais” citadas na referidalei,não fizeram parte de nenhum programa de formação continuada ou de cursos de capacitação sobre o tema eque alguns deles, não demonstraram nenhum interesse pelo nosso objeto de estudo, fato que a meu ver é lamentável, pois, por falta de formação e de informação deixamos de conhecer as “raízes africanas” de nosso povo, deixamos de valorizar aquilo que é verdadeiramente nosso. Em contrapartida, percebemos a introdução de aspectos culturais de outros povos que não tem relação direta com a cultura brasileira e que estão sendo inseridos em nossas escolas e conseqüentemente na sociedade, citamos, por exemplo, a comemoração do dia das bruxas – Halloween, segundo pesquisas, originária de festas de povos pagãos (anglo-saxônicos), costume vindo da Europa Medieval e introduzido na América do Norte, sendo hoje divulgada e realizada no Brasil. Por outro lado, podemos constatar o desconhecimento de vários ritos, costumes e cultura de origem africana,fato que infelizmente constata a desvalorização daquilo que realmente precisaria ser valorizado.

1 A - prática nas escolas     

Alguns professores de Artes e de Língua Portuguesa (Literatura) do Ensino Fundamental afirmaram que não tem conhecimento sobre o objeto de estudo e outros dizem que no planejamento da própria Secretaria de Educação o tema em questão nem é citado, ficando somente para o dia da Consciência Negra. Um dos professores de Língua Portuguesa (Literatura) diz que em sua formação foi preparado somente para dar aulas das Literaturas: Brasileira, Americana e Inglesa, sentindo-se habilitado para ministrar aulas sobre tais temas, mas a respeito de Literatura Africana não tem conhecimento algum.

Já outra professora da disciplina mencionada afirma que o livro didático de Língua Portuguesa não aborda nada sobre a cultura africana, o professor então, por sua vez, deixa de trabalhá-lo. Ao verificarmos os Livros didáticos de Língua Portuguesa adotada na região e na escola pesquisada intitulado como: Jornadas.port das autoras Dileta Delmanto e Laiz B. de Carvalho do Ensino Fundamental do sexto ao nono ano, verificamos o seguinte: na unidade do sexto ano encontramos uma matéria na pagina 234 com o título Diversidade e Tradição, refere-se a festas tradicionais no país. As autoras afirmam que muitas dessas festas foram herdadas dos povos que deram origem a nosso país, entre eles os indígenas, os portugueses e os africanos.

Mas apresenta somente uma dança de origem portuguesa denominada chula, apesar de a atividade sugerir pesquisas sobre outras festas tradicionais poderia ter sugerido pesquisas de outras danças de origem africana, isso daria ao professor incentivo e abertura para falar mais sobre a cultura Afro-brasileira, seria uma forma de o tema ser trabalhado. No livro do sétimo, oitavo e nono ano, não fora encontrada nenhuma matéria ou texto que poderia abrir um leque sobre nosso objeto de estudo, constatamos que os mesmos não trabalham o assunto, o tema então é inexistente nos mesmos. Como afirma (GOMES, org. SILVA E GOMES, 2006 p. 126):

A escola só ensina conhecimentos já dominados; portanto, os conteúdos, as informações e realidades do contexto africano não são, ainda, disponibilizados em todas as regiões brasileiras de modo satisfatório ou por causa dos custos ou pela simples dificuldade de acesso.

Portanto, podemos afirmar que tanto para professores, mestres e doutores em educação que são mediadores de conhecimento e para os seus alunos que estão em fase de construção de conhecimento, a África é merecedora de maior atenção nosprocessos de ensino e de aprendizagem. Simpatizantes e entidades voltadas ao assunto precisam se empenhar em pesquisa, elaboração e distribuição de material didático para melhor conhecimento de professores e também da clientela escolar. Além de todos os problemas enfrentados pelos professores,pesquisadores de renome dizem que a disciplina de História da África fora maquiada há séculos, conforme afirmação de (KI-ZERBO, J; 1982, p. 21)

Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. 

Ki-Zerbo no texto acima nos faz refletir e afirma que a história da África deve ser reescrita, podemos então perceber que,se a própria história do continente deve ser reescrita, como reescreveremos a mesma dentro de nós? Segundo o autor, a maioria das informações que sabemos sobre o continente africanoforambaseadas em estudos facciosos e tendenciosos, é como que se a história desse continente se focasse somente nas imperfeições que pode existir em uma sociedade, justificando o comportamento mesquinho de povos que se diziam “civilizado”.

Esse é um ponto preocupante para a educação brasileira, pois, se temos determinação que devemos ministrar aulas sobre o tema esbarramos em vários pontos negativos, além de o material didático ser escasso, o que possuímosainda não condiz com a realidade, cabe ao professor mais uma vez pesquisar em sites, artigos e demais pesquisasatuais sobre o assuntopara que se dêem aulas que podem ser avaliadas com nível satisfatório. Essa imagem negativa da África no Brasil e no mundo está enraizada em nós, isso é tão sério que pessoas que deveriam ser bem informadas, magistrados e autoridades do país, acreditam em uma África como o autor descreveu somente com miséria, barbárie, irresponsabilidade e caos, fruto da história, como o autor descreveu,nosso ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita a Namíbia na África, cidade de Windhoek no ano de 2003 afirmou que: “Quem chega em Windhoek não parece que está em um país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente e tem um povo tão extraordinário como tem essa cidade.

"Essa afirmação, segundo o jornal Folha de São Paulo causou constrangimento entre a comitiva brasileira a qual visitava o continente, vinda na época do presidente da nação brasileira, prova o quanto essas informações de “camuflagem” estão bastante vivas dentro de nós, até pouco tempo estudava-se que os índios eram preguiçosos e não resistiam a enfermidades, por esse motivo não foram escravizados, mas que os negros além de conhecerem as técnicas agrícolas eram mais resistentes a doenças, como se não bastasse, justificava-se a escravidão e o tráfico negreiro pela razão de que no próprio continente existissemescravos entre eles e outras inúmeras razões que não serão discutidas agora.

2 - Material didático e falta de conhecimento do assunto       

Quanto a Literatura Africana também temos escassez de conhecimento e planejamento inadequado, segundo umaprofessora de Literatura do Ensino Médio quando se trabalha a Literatura Brasileira nas séries referentes, aborda-se a Literatura Brasileira e a Literatura Portuguesa, portanto, a África é deixada mais uma vez de lado. A professora da disciplina de Artes do Ensino Fundamental da Escola Municipal Isabel Franco de Moraes e Silva diz que: “Não possuímos livros didáticos dessa disciplina e as aulas são preparadas pesquisando-se os conteúdos na internet e em livros diversos”.

Para a professora de História do Ensino Fundamental da Escola Municipal Jerusalém, os livros didáticos menos atualizados focavam muito a escravidão do negro se esquecendo da importância que o negro desempenhou para a construção da Cultura Brasileira, mas a professora também pontuou discreta mudança nos mesmos, uma vez que os negroides em si têm sido representados não como escravo, mas como escravizados.

Salientamos que no passado a História “oficial” era baseada segundo os parâmetros da classe dominante, mas essa realidade histórica tem se transformado gradativamente com o passar do tempo. Segundo (ALVIM, MIRANDA, 2008, p.127) foram constatados: “avanços e recuos em relação à abordagem teórica e metodológica da História e que se refletiram na estruturação da temporalidade histórica”.

As autoras lembram que a História foi dividida em Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, fases que referem-se à continuidade do pensamento europeu em relação à divisão da história em quatro períodos, mas dentro desses períodos são possíveis a integração dos fatos ocorridos no Brasil, diante desse assunto as autoras ainda na mesma página afirmam que:

A despeito da permanência da estrutura cronológica ocidental, observa-se nestas coleções a tentativa de incorporação de diferentes realidades históricas ao grande eixo cronológico linear. Neste sentido, as coleções recorrem à grande estrutura de História Geral. Essa organização – conhecida por História Integrada – abre espaço para outras realidades históricas e, dessa forma, para um diálogo com o fazer histórico oriundo da historiografia renovada. Entretanto, destacamos que a incorporação destas diferentes realidades se dá a partir do referencial temporal ocidental. A história dos povos não ocidentais é encaixada dentro do grande esquema quadripartite.

No material didático de História percebemos que aconteceram algumas modificações para melhorar o trabalho com os alunos, alguns livros mais tímidos no tema outros mais ousados, certo é que obtivemos alguns progressos, mas podemos afirmar que ainda estamos engatinhando em relação às aulas práticas a respeito do tema, pois, se não temos materiais adequados para realização das mesmas, também nos falta maturidade como educadores para conduzir o aluno a conhecer, aceitar e a valorizar as diferenças culturais em relação à classe dominada no passado existente no Brasil.

Infelizmente, a meu ver na atual situação em nossa região, a chave deabertura do Continente Africano para a comunidade escolar ainda pertence aos professores de História, essa “obrigação” de ministrar aulas sobre o tema que ainda não fora bem assimilado pelos professores de outras disciplinas e várias instituições de ensino superior não tem incluído em sua grade curricular o assunto para preparação dos docentes. Tudo que engloba a África, a cultura Afro-brasileira, ou a História em si é como se não interessasse aos professores de outras disciplinas, dificultando então o conhecimento da clientela escolar e da comunidade.

No ponto de vista de professores de Artes, Literatura (Língua Portuguesa) e História, as dificuldades de conhecer a Cultura Africana e a História dos negros são devido à falta de material didático, principalmente na área de Literatura.  A professora da disciplina questionada a respeito do tema nos afirmou que: “O livro de Português não aborda a Cultura Africana...” o que já foi constatado em nossa pesquisa; e continua: “...nesse ponto ele deixa a desejar...” e em outra ocasião respondeu: “...na disciplina de Língua Portuguesa quase não se é trabalhada a Cultura Afro-brasileira, esse conteúdo só é trabalhado na semana da Consciência Negra, ficando a critério do professor em como aplicá-lo”, questionada em como trabalha com os alunos a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, a contribuição do povo negro na área social, econômica e política pertinente a História do Brasil, respondeu: “Infelizmente eu quase não trabalho com meus alunos esses aspectos.” Essa afirmação dada pela profissional nos proporciona uma noção do que tem acontecido nas escolas de uma forma geral, muitas vezes o próprio professor não tem esclarecimentos mais detalhados sobre o tema, fato que dificulta e inviabiliza o tema a ser ministrado de uma forma mais eficiente.

Considerações Finais:

Diante de nossa investigação que percebemos é queo objeto de estudonecessita de investimentos em relação a pesquisas, capacitação de profissionais e sensibilização da sociedade a respeito da importância do cumprimento da lei nas escolas, salientando que é de nosso conhecimento que várias pesquisas têm sido realizadas nos últimos anos para estarmos no patamar em que nos encontramos, mas que aindaprecisa haver um aprofundamento no tema, a fim de que saiamos dos rudimentos, deixando de engatinhar e passando a andar a passos largos em direção ao conhecimento da cultura dos povos africanos e da grande contribuição deste aparato cultural para a cultura brasileira, pois,reconhecemos estar longe do ideal para nossas escolas e para a sociedade.

A etnografia africana deve ser pesquisada minuciosamente, visto que, são vários povos naquele continente, cada grupo com a sua cultura e seus costumes diferenciados, portanto, um continente rico de valores, símbolos, religiões, etnias e outros, dignas de serem investigados e divulgados.

O país precisa patrocinar e incentivar o desdobramento nas investigações de pesquisadores como historiadores, sociólogos, antropólogos,etnografistas, cientistas sociais e outros profissionais da área, com o objetivo deque obtenhamos no futuro um conhecimento que proporcione amplitude de visão e melhor domínio do tema, com isso, conseguiremosmaterial didático apropriado e adequado para melhor compreensão desse continente gigante do qual vieram muitos de nossos antepassados.              

Bibliografia Consultada:

IENH, Manual de normas de ABNT, Disponível em www.ienh.com.br BOGDAN, Roberto C. e BIKLEN,Sari; Knopp,Investigação Qualitativa em Educação – 1994 -  Porto Editora KI-ZERBO, J (org.). História geral da África. São Paulo: Ática; Paris: Unesco, 1982 (volume 1 – Metodologia e pré-história da África).

SILVA, Marilena da e GOMES, José;Uene (organizadores), África, Afrodescendência e Educação, Entidade Produtora do Texto Associação Pérola Negra (Goiânia) – 2006 – Editora da UCG

PEREIRA, Edmilson de Almeida, Malungos na escola: questões sobre culturas afrodescendentes e educação – São Paulo: Paulinas, 2007. – Coleção educação em foco. Série educação, história e cultura) Brasil. Secretaria de Educação Fundamental, PCN, terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. Presidência da República/ Casa Civil/ Subchefia para Assuntos Jurídicos/ Lei 10.639, de 9 de Janeiro de 2003.

 



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