Ao longo dos anos trabalhando com sistemas intensivos de produção, aprendendo com produtores de todo o Brasil e vivenciando os desafios da pecuária em tempo real, uma verdade se tornou clara para mim: não existe tecnologia capaz de compensar a ausência de gente bem treinada. A fazenda que dá certo, que entrega resultado consistente e que tem visão de futuro, é aquela que investe nas pessoas com o mesmo zelo com que cuida dos touros de genética, dos pastos adubados e das planilhas de controle.
É comum vermos o produtor se empolgar com soluções técnicas — máquinas novas, softwares, novas cultivares, rações de alto desempenho — e esquecer que, sem preparo da equipe, tudo isso vira custo e frustração. A intensificação do sistema exige mais da gestão, exige mais do vaqueiro, do gerente, do operador de trator, do técnico de campo. Exige que todos saibam o que estão fazendo. E para isso, não há atalho: é preciso capacitar.
Mas capacitar vai além de dar um curso ou fazer um treinamento uma vez ao ano. Capacitar é construir um ambiente onde o conhecimento é valorizado e incentivado. É mostrar para o peão que ele tem um papel estratégico no desempenho do rebanho. É incluir o gerente nas decisões e fazê-lo enxergar a fazenda como um projeto do qual ele faz parte — e não apenas um lugar onde ele “bate o ponto”.
Quando a equipe sente que pertence, ela entrega mais. O vaqueiro cuida melhor da bezerra doente porque entende a importância dela na reposição do rebanho. O operador de máquina se preocupa com a regulagem do implemento porque sabe que aquilo interfere no resultado da colheita. O gerente alinha o manejo com precisão porque entende o impacto de cada arroba produzida. Tudo começa no sentimento de dono.
E é aqui que a liderança entra. A equipe só vai se sentir parte do projeto se o dono der o exemplo. Ninguém forma uma equipe forte com uma liderança fraca. O proprietário que cobra mas não acompanha, que exige mas não compartilha visão, acaba criando um vácuo que mina a motivação. O melhor líder é aquele que inspira pelo exemplo. Que acorda cedo, que conhece o sistema, que participa das decisões e que valoriza quem está ao lado dele todos os dias. O dono tem que ser dono de verdade. Tem que vestir a camisa com mais força que todo mundo.
Outro ponto que defendo com convicção é que a capacitação deve estar ligada à remuneração, à motivação e à clareza de metas. É injusto exigir desempenho sem oferecer condições. É incoerente cobrar resultado de uma equipe que não sabe o que se espera dela. Treinamento é só uma parte da equação. É preciso também construir uma cultura de reconhecimento, de valorização do esforço e de transparência nos objetivos. Quando a equipe entende a lógica do negócio, ela trabalha com mais inteligência, e não apenas com força.
Tecnologias como a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) são ferramentas incríveis para aumentar a produtividade e a resiliência do sistema. Mas de nada adianta adotar um modelo técnico avançado se a equipe não está pronta para operá-lo. Um vaqueiro que não sabe o momento certo de tirar o gado do piquete pode comprometer meses de planejamento. Um tratorista que não entende o espaçamento da semeadura afeta toda a produtividade da lavoura. Por isso repito: gente bem treinada é mais importante que equipamento caro.
No fim do dia, o que faz a fazenda crescer é a soma da competência técnica com o engajamento das pessoas. É a cultura organizacional saudável, onde cada um sabe o que faz, por que faz e a quem isso beneficia. É a presença do dono como líder e exemplo. E é o investimento contínuo em capacitação, porque conhecimento é o único insumo que se multiplica quando compartilhado.
Se queremos uma agropecuária eficiente, rentável e duradoura, precisamos começar pela base: gente. Porque é a equipe que carrega a fazenda nas costas — ou nas costas, ou nos ombros. A diferença está em como ela é tratada.
Welton Cabral é zootecnista, doutor em Agricultura Tropical e especialista em sistemas intensivos de produção pecuária. Atua como consultor, palestrante e formador de equipes em fazendas de todo o Brasil.
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Este artigo de opinião representa a visão do autor e não necessariamente a opinião do Semana7.