BARRA DO GARÇAS 00:00:00 Domingo, 06 de Julho de 2025

POLÍCIA Segunda-feira, 29 de Julho de 2019, 08:51 - A | A

29 de Julho de 2019, 08h:51 - A | A

POLÍCIA / Conduta

Fardados, policiais transportam garotas de programa em viaturas

Embora passe longe da conduta esperada por um integrante das forças de segurança pública, a imagem é corriqueira.

Metrópoles
Brasília DF



Passava das 2h da madrugada dessa quinta-feira (25), quando uma garota de programa de cabelos pretos deixou a Alfa Pub, boate que explora a prostituição no Setor Hoteleiro Sul. Trajando minissaia, ela caminhou até um carro, abriu a porta e sentou-se ao lado do motorista. Com intimidade, acomodou a bolsa no banco traseiro. A cena seria considerada trivial, não fosse por um detalhe: o veículo era uma viatura caracterizada da Polícia Militar do Distrito Federal, e, ao volante, um servidor fardado em pleno expediente.

Embora passe longe da conduta esperada por um integrante das forças de segurança pública, a imagem é corriqueira. Ao longo de quatro meses, o Metrópoles acompanhou a relação próxima entre policiais, proprietários da casa noturna, funcionários e mulheres que ganham a vida com o sexo. Durante as campanas, a reportagem constatou que, semanalmente, grupos de PMs frequentam o estabelecimento. Alguns, inclusive, chegam a passar até três horas dentro do prédio.

Entre os meses de abril e julho, pelo menos 13 viaturas de diferentes prefixos transportaram mulheres que trabalham na casa de shows após as noitadas. Pagos para combater práticas criminosas, policiais tinham o hábito de entrar na boate sempre entre 23h30 e 3h30, quando o movimento de pessoas é reduzido nas ruas do Setor Hoteleiro. O modus operandi era semelhante em todas as situações flagradas: dois ou três militares ficavam na porta de entrada da Alfa Pub, conversavam com os seguranças e entravam.

Fiscalização

Responsável pela fiscalização de alvarás, a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal, o DF Legal, verificou suposto erro na licença da Alfa Pub. A pasta oficiará a Administração Regional de Brasília a fim de obter informações sobre a suposta inconsistência de dados referentes à data e ao horário de funcionamento descritos na autorização. Sabe-se que a boate abre às terças, quartas e quintas-feiras, sempre das 21h às 3h.

De acordo com advogados do hotel onde a casa noturna está situada, a licença só permite que o espaço seja aberto aos domingos, das 7h às 3h. “Os dias e horários de funcionamento deles são diferentes do informado no alvará, tanto que a diligência a que temos cópia e onde foi apresentada o alvará acabou realizada em dia diverso do constante no documento”, explicaram, por meio de nota.

O governador do DF, Ibaneis Rocha  (MDB), reprovou a atitude dos envolvidos e cobrou providências. “Já determinei ao secretário de Segurança que acompanhe todo o procedimento. Peço aos policiais e aos bombeiros, que são bem remunerados, que chega dessa história de corrupção. Principalmente em áreas tão sensíveis. Prostituição acaba com a imagem de uma cidade e, com apoio de autoridades, a coisa fica bem pior”, disparou o chefe do Executivo distrital.

Uma das cenas a despertar repúdio do titular do Palácio do Buriti foi flagrada na madrugada de quinta-feira (25/07/2019), por volta das 2h. Do lado de fora da Alfa Pub, algumas prostitutas fumavam cigarros de maconha. Instantes depois, uma viatura da PMDF se aproximou, mas não para repreender o grupo por uso de entorpecentes. Sem demonstrar preocupação com a presença de representantes do Estado, uma das garotas apagou o baseado, enquanto outra seguiu em direção ao veículo. Após um rápido bate-papo, a mulher entrou no carro e foi embora com os militares.

Na noite do dia 7 de julho, a movimentação de policiais militares foi intensa na boate. Câmeras do circuito de segurança registraram os passos dos PMs. Em uma viatura, eles apareceram às 23h25 e foram recepcionados por um dos donos da casa noturna. O empresário chegou a se debruçar na janela do carro plotado com as cores da instituição. Ele cumprimentou amistosamente os agentes a serviço da lei. Após breve diálogo, a guarnição seguiu para outro destino, mas não demorou a voltar. Às 23h56, a mesma viatura estava novamente no local. Perto da meia-noite, a equipe fardada e armada entrou na boate e saiu somente 38 minutos depois.

Em novo episódio flagrado pela reportagem, PMs entraram na Alfa Pub à meia-noite e ficaram mais de três horas. Em junho, dois policiais fardados cruzaram a porta da casa noturna às 1h10 e deixaram o local 18 minutos depois carregando sacolas com cervejas.

Ao longo das campanas, foi possível confirmar a relação íntima entre PMs, proprietários, prostitutas e frequentadores da casa noturna. Alguns se mostravam tão confortáveis que, mesmo trajando uniformes operacionais, se debruçavam na bancada do bar.

Em abril, o Metrópoles produzia uma matéria sobre o esquema de tráfico de drogas no interior da boate, quando notou a presença de PMs que não estavam no local para coibir tal crime. Além de pagar por sexo, os clientes tinham farta oferta de droga. A venda conjunta de programa e entorpecentes foi revelada por duas prostitutas.

Poucos minutos após a equipe chegar ao endereço, duas mulheres pediram para se sentarem à mesa. Simpáticas, com idades entre 25 e 30 anos, falaram abertamente sobre a facilidade em adquirir cocaína, desde que fosse atrelada ao programa. “É fácil conseguir. Tem um menino que vende, e taxistas e motoristas de aplicativos entregam. Eu tenho o contato”, afirmou uma delas, sem saber que estava sendo gravada.

As prostitutas revelaram a existência de traficantes dispostos a fazer as entregas. O contato é via WhatsApp e a transação se dá de maneira rápida. Ela é feita momentos após o programa ser fechado com as garotas. O consumo, geralmente, ocorre nos quartos de hotéis do Setor Hoteleiro Sul. Os traficantes lucram com a clientela abastada que frequenta a boate. Bebidas, comidas e uma noite de sexo custam caro no Alfa Pub. É preciso desembolsar R$ 150 de consumação para entrar na casa de shows. O ingresso dá direito a cinco cervejas long neck – cada uma não sai por menos de R$ 30.

Retirar uma garota da boate antes das 2h30 da manhã custa mais R$ 150, além do preço do programa cobrado pela prostituta, que gira entre R$ 400 e R$ 500. Ao todo, um cliente precisa desembolsar, no mínimo, R$ 800 para curtir a noitada. As drogas não estão incluídas nesse valor.

A reportagem tentou entrar em contato com um dos donos da Alfa Pub, mas ele não atendeu nem retornou as ligações. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.

Comente esta notícia