Pauta Extra
Nos bastidores do mundo literário circula um ditado que diz que “não importa o suporte do poema, um poeta só se torna poeta quando a sua poesia chega aos leitores”. Partindo desse aforismo popular entre os amantes da literatura, em especial da poesia, podemos então afirmar que o multi-artista barra-garcense Paulo Antônio Filho acaba de se fazer poeta por inteiro. Nos próximos dias, estará pousando nas mãos e diante dos olhos dos amantes da literatura, da arte da poesia, seu surpreendente livro de poemas “Final de Travessia”(Calendas Editorial, Cuiabá, 2023, 154 paginas).
O livro é uma coletânea poética que revela todo o talento e a sensibilidade aguda do autor que, além de poeta, é escritor, artista plástico, ilustrador e designer gráfico. A obra de Paulo Antônio Filho foi premiada pelo Edital Estevão de Mendonça de Incentivo à Literatura de Mato Grosso 2023, lançado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer – Secel/MT.
Ainda que “Final de Travessia” seja o primeiro livro de Paulo Antônio Filho a ser publicado, o autor não é um estreante no meio literário mato-grossense e brasileiro. Na verdade, Paulo Antônio é um dos fundadores do coletivo lítero-cultural “União dos Poetas do Médio Araguaia”, precursor dos movimentos artísticos culturais do Vale do Araguaia e responsável por agitar a cena literária e artística na região desde o início dos anos de 1980.
O poeta tem vários de seus trabalhos publicados, tanto nos jornais do coletivo UnPoema, quanto em blogs literários e nas redes sociais. Ao longo das últimas quatro décadas, Paulo Antônio manteve-se produzindo intensamente literatura de alta qualidade, arte que agora, ganha registro impresso no suporte tradicional do formato livro.
Pode-se afirmar, desse modo, que o lançamento do livro “Final de Travessia” marca, em verdade, uma transição do artista do universo digital para o físico, confirmando a mística de que os poetas estreiam no mundo quando suas poesias se tornam palpáveis nas mãos e no cotidiano dos leitores.
A curadoria e a edição da obra foi feita pelo escritor, poeta e editor, Antonio P. Pacheco à convite da Calendas Editorial e do autor.
Leia abaixo a entrevista especial do poeta Paulo Antônio Filho e conheça mais sobre o autor, sua arte e suas visões do mundo, da literatura e da humanidade.
Pergunta – Como você recebeu a notícia de que seu livro “Final de Travessia” havia sido contemplado no edital Estevão de Mendonça e seria publicado?
Paulo Antônio Filho – Para quem sonha alavancar uma carreira de escritor, sobretudo poeta com certo reconhecimento, é difícil descrever o sentimento de ter o seu primeiro livro publicado. Euforia, é o que chega mais perto do que senti. Escrever é como gritar para ouvir o eco. Eu penso que você não o faz por vaidade, mas por vocação. E quando faz por vocação, você acredita que pode dar sua parcela de contribuição na edificação de um mundo melhor, de uma sociedade melhor. O papel do escritor é, sobretudo, o de transformação social. E a poesia é uma agente poderosa de transformação. Minha alegria, e euforia, estavam sustentadas nesse pensamento. Poder finalmente mostrar a beleza da arte em forma de poesia para muito mais pessoas, de uma forma permanente, por meio do livro impresso, palpável, cheirável e até saboreável se lambido e beijado como a um ou uma amante.
Pergunta – Fale-nos um pouco sobre seu livro Final de Travessia. Que mensagem você procurou passar com os poemas reunidos nesse livro?
Paulo Antônio Filho – Final de Travessia possui muito do que é sertão, gente e poesia. É, sobretudo, como esse título sugere, uma etapa da existência, seja ela do Cerrado, com a estação da chuva que ocorre após a estação do estio, que é quando o cerrado renasce, reverdece; seja a travessia existencial a que todos experimentamos, nossas passagens, nosso estio pessoal, seguido por nossas águas existenciais, nossos verdejamentos interiores…e também algo de muito pessoal, o amor que acontece como a estação de amenos borrifos para o “eu lírico”, depois de uma existência em busca de regatos frescos pelas trilhas castigadas de sol. A mensagem? Essa mesma, através de versos, sempre com a intenção de evidenciar que a poesia é o que criamos quando nos percebemos sem asas, como está revelado em Sobre poetas e pássaros II.
“Primeiro com Guimarães Rosa, depois com Manoel de Barros, aprendi a arte de perverter a estrutura da linguagem. Penso que poesia é antes de tudo asas para um voo sem remorsos.”
Pergunta – Como surgiu a poesia em sua vida e qual o papel que ela ocupa no seu dia a dia?
Paulo Antônio Filho – Escrevo poesia desde os doze anos. Aliás, minha primeira leitura poética se deu com Espumas Flutuantes, de Castro Alves. Minha iniciação literária está muito ligada a esse grande poeta. É quase impossível acreditar que esse cara tenha feito o que fez, em apenas 24 anos. Poesia ocupa em mim todos os espaços. Impossível não ver um alvorecer, ou um por de sol, e não pensar que é Deus escrevendo poesia. Ou uma jabuticaba grudado num tronco, e não pensar poesia. Ou a cigarra num dia fumarento de agosto, o cicio da chuva sobre o telhado, o vento nas frondes de um coqueiro… quem não pensa poesia quando vive essas experiências?
Pergunta – Você fez parte do movimento UnPoema, nos anos 80. Como isso refletiu ou reflete na sua literatura?
Paulo Antônio Filho – Quando eu tinha quinze anos, escrevia poesia e reunia em volumes, que eu colava, para imitar livros. Sobre amor de adolescentes, paixões impossíveis, todas elas. Mas, eu tinha vergonha de mostrar. Em 1983, conheci na escola onde estudava a poetisa Adalgisa Lima, que andava a procura de jovens com talentos artísticos, na intenção de começar um movimento cultural na região. Ela insistiu para que eu mostrasse meus escritos, e ela gostou do que viu, e me fez acreditar que aquilo que eu escrevia, era arte, e eu era um poeta. Ela me tirou da casca, fazendo acreditar que eu era poeta, assim como Castro Alves que eu admirava. A partir daí, me apresentou a outros poetas, e quando dei por mim, fazia parte da UnPoema, vendo meus versos, outrora escondidos, agora publicados no periódico do movimento, e aplaudido pelos colegas e lido por muitas pessoas desconhecidas, comecei a me identificar como poeta. Foi nesse período, 1982/1983 que conheci os escritores e poetas Antônio P. Pacheco, Wanderley Wasconcelos, Carlos Ney Souza Vera, Perillo Sabino Nunes, Vergílio Cruz Assis, Milton Mendes Jr. e tantos outros. O UnPoema foi um despertar. E talvez o grito sem o qual o poeta em mim ainda estaria adormecido e escondido.
Pergunta – Como você definiria a sua poesia?
Paulo Antônio Filho – Minha poesia é busca. É toda ela uma busca por significados que estão por trás do que é aparente. Mas é também lúdica, as vezes irônica, jocosa…brincalhona. E, às vezes, também séria, sisuda, um tanto furiosa, rebelde e inconformada. Aí vai depender da estação. Estiagem ou chuvosa?
“E acredito que está chegando aí uma geração mais aberta, mais sensível a isso. Quem sabe o mundo não esteja também, nesses últimos dias, num Final de Travessia?”
Pergunta – Quais são suas influências na poesia e na prosa?
Paulo Antônio Filho – Aprendi a agostar de brincar com palavras, afinal poesia é um modo de ser criança. Primeiro com Guimarães Rosa, depois com Manoel de Barros, aprendi a arte de perverter a estrutura da linguagem. Penso que poesia é antes de tudo asas para um voo sem remorsos.
Pergunta – Como você vê e analisa o panorama literário em Mato Grosso hoje?
Paulo Antônio Filho – Promissor. E digo isso com muita alegria, e renovada esperança. As políticas voltadas para a arte e a cultura estão atuantes, e levadas a sério. Os programas desenvolvidos aqui têm revelado que existem olhos voltados para o panorama artístico-cultural, e sobretudo gente com visão para colocar a literatura mato-grossense nos holofotes do Brasil e do mundo. Pode acreditar. Nós temos gente com muito talento, e estão todos por aí. Só precisamos colocar um pouco de luz nessas pessoas.
Pergunta – Para você, quais são as diferenças e semelhanças entre ser um poeta que faz poesia nas margens do Araguaia e aquele poeta de metrópole?
Paulo Antônio Filho – Uma pergunta difícil de responder. Poesia tem muito a ver com o ambiente no qual o poeta está inserido. Eu sou homem provinciano. Sou das barrancas do Araguaia, e o mato é meu caderno de rascunhos, o cerrado meu laboratório literário, o sertão é que me inspira, a casca da cigarra que foi deixada no caule, o voo cheio de curvas das borboletas, as barrancas do rio… as árvores retorcidas do cerrado… e quando não, a busca pela doçura, pela pureza perdida, na intenção de encontrar o sentido da existência na simplicidade. Contudo, penso que, o poeta metropolitano, e o poeta do sertão tem em comum a busca e o resgate da sensibilidade, num mundo que aos poucos perverte o que há de mais sagrado no homem: a sua humanidade.
Pergunta – O que você pensa sobre as leis de incentivo à cultura; são mesmo necessárias?
Paulo Antônio Filho – Elas são imprescindíveis. Nesse mesmo país onde adolescentes imberbes estão entrando em salas de aula para cometer assassinatos, existem pessoas que defendem que, é mais importante portar uma pistola que um livro. Nossa porta de saída para tanta violência e descaso com o outro é a educação, a cultura, a arte em todas as suas manifestações. Essas leis são mais que necessárias. É preciso mais. É preciso despertar a poesia, a prosa, a dança, a música, o teatro, o cinema, a pintura. Precisamos de mais. Precisamos pensar em estratégias, e não só no campo das artes, também do esporte, das ciências.
Quem sabe o Ipê não esteja florescendo, e as nuvens de chuva já fazem descer seus borrifos no chão ressequido? É tempo de sonhar com um mundo melhor. Não falei? A poesia está em tudo.