No debate acalorado na Assembleia do Condomínio, nulidades e ameaças de sanções, penas, ouvi uma voz humilde de um especialista, um médico dizer:
“Não entendo nada de lei; mas sei o que é democracia, na qual vence o desejo da maioria. Vamos votar!”
Aplaudi a intervenção. Razão lhe assiste. Na diversidade de entendimentos e opiniões em que vivemos, o único jeito de apaziguar disputas e neutralizar as divergências é aceitar o entendimento da maioria como aceitação de todos, transformando-a em desejo comum.
Mas ouvi uma voz lá do fundo dizer que não é bem assim, que tem que respeitar o direito da minoria, ainda que a vontade da maioria seja em sentido contrário.
A partir daí passei a não entender mais nada.
Será que o desejo da maioria ou da minoria deve prevalecer?
Como conciliar isso? Prevalece a vontade da maioria, mas tem que proteger a minoria! Parecia para mim um paradoxo.
Para harmonizar, talvez seja assim: a vontade da maioria prevalece, com algumas exceções muito raras. O voto da maioria vence, desde que não ofenda o que se espera, no entendimento do senso comum de forma universalmente definida em determinado tempo e lugar, do que seja um mínimo da dignidade que qualquer ser humano é dotado.
Assim, não é sempre que a votação da maioria vence. Vence sim, desde que respeite o mínimo definido como direito básico do ser humano.
No mais, a maioria vence sempre.
Isso, em resumo, é a democracia contemporânea.
O poder da maioria do povo em determinado tempo e lugar, desde que respeitado o mínimo definido como direitos humanos considerados fundamentais naquele tempo e lugar, como o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, ao lazer, à igualdade, de ser tratado com dignidade, à livre escolha de crença etc.
Em relação ao direito à dignidade compreende-se a proteção alusiva à origem, à raça, ao gênero, orientação sexual, dentre outras opções de caráter pessoal.
Daí alguém me perguntou: “Condenar à pena de morte alguém que matou para roubar ofende os direitos humanos fundamentais?”.
Boa pergunta!
No Brasil (lugar) ofende sim, porque em 1988 a Constituição Federal (CF) proibiu a pena de morte, por entender que o direito à vida, ainda que vida de bandido, é um direito fundamental.
Nos EUA, o império econômico, em alguns Estados a pena de morte não ofende os direitos humanos, já que adotam essa sanção como forma de punição de alguns tipos de crimes. Outros países também adotam esse tipo de reprimenda.
Quem estaria certo? Qual é o mínimo a ser respeitado?
Quem matou para roubar tem direito de ser condenado a pena, desde que não seja a morte, ou pode ser condenado a morrer e isso é justo porque representa o sentimento humano geral?
A nossa Constituição Federal responde a essa dúvida: não se pode condenar ninguém à pena de morte.
Alguém poderia retrucar: “Não concordo com a Constituição Federal”.
E agora, como resolver esse impasse?
Não é o STF quem vai resolver isso, porque o STF tem que respeitar a CF, que diz: é proibido condenar à pena de morte.
O que fazer se o entendimento do povo nessa quadra da vivência brasileira for diverso?
Fazer o que Janot defendeu ao dizer caber a prisão preventiva de senador, porque o direito evoluiu?
Não! Nada disso.
O jeito de resolver é fazer outra Constituição.
Nisso não há espaço para interpretação.
Muita gente concorda que bandido que mata para roubar tem que ser condenado a morrer também, desde que depois de um processo judicial que lhe assegure ampla defesa. Mas, concomitantemente, clamam por respeito as normas constitucionais que proíbem a pena de morte, cujas cláusulas são inegociáveis.
Assim, no Brasil, a adoção de pena de morte depende de revolução e refazimento da Constituição Federal, porque há coisas que se chamam cláusulas pétreas, a exigir fazer outra norma fundamental como pressuposto para mudar determinadas regras, mas isso é assunto para se escrever mais alongadamente e com dedicação exclusiva.
Arnaldo Justino da Silva é Promotor de Justiça em Mato Grosso