Marcelo Borges
Semana7
Três organizações ligadas ao povo A’uwe Uptabi (Xavante) divulgaram notas públicas em que repudiam a escolha da atual representante indígena no Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Rio das Mortes (CBH-ARM), instituído recentemente em Mato Grosso. As entidades denunciam que a vaga destinada aos povos originários foi ocupada por uma mulher que se autodeclara Xavante, mas que não possui vínculos com o território, a ancestralidade ou o reconhecimento das lideranças tradicionais.
A denúncia é feita pela Organização Indígena Xavante ETETSWATÓ, pela Namunkurá Associação Xavante (NAX) e pela APSIRE – Associação de Proteção Social Indígena e Recuperação Ecológica. Em comum, as entidades exigem a anulação da nomeação, a reabertura do processo de escolha com base no direito à consulta prévia, livre e informada, e o respeito ao controle social do povo Xavante.
A representante nomeada, identificada nas notas como Mara Barreto, é acusada de apropriação indevida da identidade étnica e de ocupar de forma ilegítima um espaço institucional que deveria ser destinado a uma liderança indígena reconhecida pelas comunidades impactadas pela bacia do Alto Rio das Mortes.
“As decisões do Comitê afetam diretamente nossas comunidades. Não aceitaremos que alguém sem vínculo territorial, cultural e político com o povo Xavante fale em nosso nome”, afirma a ETETSWATÓ. A organização reforça ainda que a bacia atravessa diversas terras indígenas Xavante, como Sangradouro, São Marcos, Areões e Pimentel Barbosa, e que a autodeterminação dos povos originários deve ser respeitada.
A NAX, com base na Terra Indígena São Marcos, destaca que a ocupação da vaga por alguém sem legitimidade representa “a invisibilização de nossas vozes legítimas” e critica o uso de uma representatividade "fabricada" como forma de silenciar as lutas reais das mulheres Xavante. “É especialmente grave que, num contexto em que as mulheres indígenas ainda enfrentam o racismo estrutural e o apagamento institucional, seja justamente uma mulher sem sangue A’uwe Uptabi a ocupar uma cadeira que deveria ser garantida às nossas representantes legítimas”, pontua a nota.
A APSIRE também reforça a denúncia, classificando o caso como “usurpação de um espaço de fala que pertence aos povos originários” e cobrando o compromisso das instituições públicas com as lutas das mulheres Xavante. “A verdadeira representatividade nasce do território, da ancestralidade e do reconhecimento coletivo, e não de declarações unilaterais desvinculadas da realidade comunitária”, diz o texto da entidade.
As três organizações citam a violação do Artigo 231 da Constituição Federal, que assegura aos povos indígenas o direito à sua organização social, línguas, crenças e tradições, bem como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que garante o direito à consulta prévia sempre que decisões administrativas impactarem comunidades tradicionais.
Todas encerram as três manifestações com uma frase unica e direta: “Mara Barreto não é Xavante. Não nos representa.”
A reportagem não conseguiu contato com a comissão responsável pelo processo eleitoral do CBH-ARM e nem com Mara Barreto até o fechamento desta matéria. Segue aberto o espaço para posicionamento dos mencionados.