BARRA DO GARÇAS 00:00:00 Quarta-feira, 09 de Julho de 2025

OPINIÃO Quarta-feira, 09 de Julho de 2025, 15:45 - A | A

09 de Julho de 2025, 15h:45 - A | A

OPINIÃO / YANN DIEGGO

A proibição de locação via airbnb em condomínios residenciais no Brasil – Uma perspectiva crítica



A crescente utilização de plataformas digitais para a oferta de hospedagem temporária, como o Airbnb, tem gerado intensos debates jurídicos acerca da compatibilidade dessa modalidade contratual com a destinação dos imóveis situados em condomínios estritamente residenciais. O artigo publicado no Jusbrasil, intitulado “A possibilidade de proibição de locações via Airbnb em condomínios residenciais: uma análise jurídica aprofundada”, oferece uma leitura técnica sobre a legalidade de eventuais proibições por parte dos condomínios, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

A controvérsia reside, fundamentalmente, na natureza jurídica da relação estabelecida entre o anfitrião e o hóspede. A locação tradicional, disciplinada pela Lei nº 8.245/1991, pressupõe tempo determinado, finalidade residencial e certa estabilidade no vínculo. No entanto, a locação por meio de plataformas como o Airbnb apresenta características distintas, notadamente pela curta duração, alta rotatividade e ausência de vínculo duradouro entre as partes. Tal diferenciação tem levado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a classificar esses contratos como atípicos de hospedagem, afastando-os do regime da locação residencial e aproximando-os de atividades comerciais ou hoteleiras.

Essa compreensão foi consolidada no julgamento do REsp 1.819.075/SP, em que a Quarta Turma do STJ decidiu que condomínios residenciais podem proibir, por meio de convenção expressa, a realização de locações via Airbnb. A Corte entendeu que o exercício do direito de propriedade não é absoluto, podendo ser limitado em prol da função social e da convivência harmônica entre condôminos. Conforme afirmou o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, “a utilização reiterada e intensa de unidade residencial como hospedagem temporária desvirtua a finalidade exclusivamente residencial do condomínio, gerando conflitos de interesses e comprometendo a segurança dos moradores” (BRASIL, STJ, 2021).

Do ponto de vista doutrinário, essa posição encontra respaldo na teoria da função social da propriedade, prevista no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal e reiterada no art. 1.228, §1º, do Código Civil. Para autores como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a propriedade urbana deve atender, concomitantemente, aos interesses do titular e da coletividade, o que inclui a observância das normas internas do condomínio e a preservação da destinação do edifício (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 205). Assim, a possibilidade de limitação do uso da unidade condominial está legitimada quando visa assegurar o interesse comum e a ordem interna.

Contudo, a decisão do STJ também foi alvo de críticas no meio jurídico, sobretudo no que tange à possível violação ao direito fundamental à propriedade privada. Para alguns estudiosos, como Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a mera cessão onerosa e temporária de unidade residencial não configura, por si só, exercício de atividade comercial. A ausência de prestação de serviços acessórios, típicos da hotelaria, dificultaria tal enquadramento. Ademais, a vedação genérica ao uso da plataforma poderia ferir o princípio da legalidade e da livre iniciativa, previstos nos arts. 5º, II, e 170 da Constituição Federal (FARIAS; ROSENVALD, 2020, p. 841).

No plano normativo, observa-se lacuna legislativa acerca da regulamentação específica da locação por plataformas digitais. Essa ausência confere ao Poder Judiciário protagonismo na definição dos contornos jurídicos da questão, o que pode gerar insegurança e decisões conflitantes nos tribunais estaduais. De todo modo, a autonomia da vontade coletiva, expressa na convenção condominial aprovada nos termos do art. 1.351 do Código Civil, tem se mostrado como o principal instrumento de compatibilização entre os direitos individuais do proprietário e os interesses da coletividade condominial.

Em conclusão, embora a decisão do STJ represente importante avanço na proteção da convivência harmônica em condomínios residenciais, impõe-se cautela para que não se transforme em fundamento para restrições desproporcionais ao uso legítimo da propriedade. A adoção de cláusulas claras nas convenções condominiais, a regulamentação legal da matéria e a ponderação entre os princípios constitucionais envolvidos são medidas essenciais para assegurar segurança jurídica e equilíbrio nas relações privadas. Até que o legislador enfrente o tema de forma mais sistemática, a jurisprudência continuará desempenhando papel decisivo na construção dos limites do uso da propriedade no contexto da economia digital.

Yann Dieggo é advogado, procurador municipal e professor universitário. 

 

Comente esta notícia