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Airton Marques
O desembargador Kassio Nunes Marques, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), suspendeu a determinação de retirada de moradores não indígenas das terras conhecidas como Jarudore, localizadas em Poxoréu (264 km de Cuiabá). A decisão liminar (provisória) é desta terça (24) e atende a recurso da prefeitura. Além disso, outra medida contra a retirada dos não índios foi proposta pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que apontou risco de colapso econômico da região.
No recurso, a Prefeitura de Poxoréu buscou reverter a decisão do juiz federal Victor de Carvalho Saboya Albuquerque, da 1ª Vara de Rondonópolis, que, em 28 de junho, estipulou a desintrusão da terra pertencente aos índios Bororo em duas etapas, de 45 e 90 dias. O Distrito de Jarudore, que fica cravado no meio da Terra Indígena com cerca de 200 famílias, foi poupado na decisão do magistrado. O pedido de retirada foi feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Funai.
No pedido ao TRF-1, o município alegou que o cumprimento da desintrusão traria "vultosos prejuízos" à ordem, à segurança e à economia da cidade. Teses que foram aceitas pelo desembargador.
Kassio Marques afirma que a desintrusão acarretará a supressão de parte substancial da área urbana de Poxoréu. Diz que os prejuízos advindos da interrupção de serviços públicos e privados, impactando o funcionamento da máquina estatal, é evidente.
"O risco de grave lesão à segurança pública se demonstra pelo óbvio clima de animosidade instaurado perante as centenasde famílias que serão retiradas do local aonde moram há várias décadas", diz trecho da decisão.
Além disso, para justificar o acolhimento do pedido liminar, o magistrado diz que orisco de grave lesão à ordem econômica decorre dos vultosos valores que serão suportados pelo próprio município em decorrência do desalojamento das cerca de 2 mil pessoas afetadas.
Ainda na decisão, o vice-presidente do TRF-1 aponta o risco de prejuízo inverso, atingindo os moradores declarados não índios.
"Na hipótese dos autos, as consequências da desocupação compulsória de mais de duas mil pessoas — identificadas como 'não índios' — são substancialmente mais nocivas do que aquelas decorrentes da manutenção de uma situação que jádura pelo menos 55 (cinquenta e cinco) anos e que, a teor do quanto consignado na sentença, abarca apenas duas aldeiasde índios (cujo número exato de membros sequer foi mencionado) aos quais será destinada uma área equivalente àquelado Distrito Federal.
"Direito Natural"
Kassio Marques ainda questiona o MPF que, na propositura da ação, não teria apresentado provas robustas quanto ao limite real da área pertencente aos Bororós. "No decorrer da longa tramitação da ação (protocolada no ano de 2006), o documento principal que embasa a alegação autoral é o laudo antropológico — o qual parte da premissa de que as terras analisadas têm como origem ocupações imemoriais dos povos indígenas. Essa premissa, todavia, equivale a aceitar a existência de uma espécie de Direito Natural que se sobrepõe a todo o ordenamento jurídico, inclusive sobre a própria Constituição".
O desembargador ainda reforça a tese do município de que as terras cuja desocupação os autores reivindicam deixaram de ser, há muitas décadas, permanente ou continuamente utilizadas pelos indígenas, "entre os quais, notoriamente, são muito comuns as práticas nômades"
Interferência do Judiciário
Na decisão, o vice-presidente do TRF-1 questiona a interferência do Poder Judiciário na questão. Afirma que os documentos apresentados pelo MPF não corroboram com a tese de que a omissão de órgãos federais teria impedido ao povo indígena a regular utilização das terras para as atividades produtivas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários à sobreviência deles.
"Esse o contexto pelo qual a mim me parece muito claro ser descabida a intervenção judicial na espécie, que concorre para municiar de argumentos os críticos da exarcebada interferência do Poder Judiciário em atos da exclusiva esfera de atuação deoutros Poderes".